Estou cansada de acordar todos os dias ouvindo o despertador tocar. Cansada de ver a lua cheia iluminando o meu quarto à noite e deitar sozinha para dormir. Cansada de não poder fazer nada além do que eu já faço. Cansada de marcar encontros comigo mesma. Cansada de me sentir um peixe beta num aquário hexagonal. Cansada de pedir uma pizza gigante e ganhar só um grão de orégano. Cansada dessa solidão que vira carência, que vira expectativa, que vira dependência, que vira solidão de novo. Cansada da dorzinha de cabeça que tem me acompanhado como se fosse o sexto dedo da minha mão direita. Cansada do mau humor dos outros. Cansada do meu mau humor também. Cansada de ir sempre aos mesmos lugares, fazer as mesmas coisas e me desapontar com as mesmas pessoas. Cansada de ter um porta-retrato vazio. Cansada de aparentar ser uma mulher bem resolvida. Cansada dessa solidão que às vezes vira saudade de quem nem conheço e outras vezes vira vontade de ser uma escritora suicida. Estou tão cansada, que não sei mais que dia é hoje, porque não faz diferença. Qualquer que seja o dia, o despertador vai tocar e vai recomeçar essa rotina que não tem nem sombras, porque não tem luz. Pois é, estou sozinha. Sem ninguém, sem sal, sem assunto e quase sem vida. Lavei com água o que estava colorido com gouache. Ficou tudo preto e branco. Mais preto do que branco. Mais triste do que feliz. Mais vontade de chorar do que de sorrir. Ficou tudo tão frágil, que não resiste nem a um peteleco.
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