Dentre todas as formas possíveis de exercer a maternidade, escolho ser a mãe que escreve. Escrevo quando dói. Ou melhor, quando dói, escrevo. Para que a dor transborde do meu peito e me deixe em paz. A dor no papel não lateja mais, nem tem cor de sangue. Se torna somente letras pretas no fundo branco.
Escrevo como quem foge do mundo, dos meus problemas e de mim mesma. Escrevo como quem corre na direção de um abrigo seguro, onde eu me encontre sozinha com minha respiração. Escrevo para não olhar na direção de distúrbios, feridas, vômitos e loucuras. Escrevo para buscar uma sanidade que já perdi.
Escrevo quando não consigo fazer nenhuma outra coisa. Quando chego no limite do que sou capaz de suportar calada, ou melhor, sem escrever. Como uma represa que precisa abrir as comportas algumas vezes para evitar catástrofes.
Escrevo também para ser encontrada pelos meus pares. Porque a dor iguala a todos. Apesar de minha dor ser só minha, nenhuma dor é inédita, como uma estrela descoberta por mim que merece levar o meu nome. Toda dor já foi mastigada de forma parecida em algum lugar do mundo, sendo a escrita capaz de fazer essa conexão. Escrevo para encontrar um elo com quem já tenha conseguido virar a página do que escrevo. Escrevo como quem ora. Escrevo para buscar o arco-íris depois da tempestade, sabendo que ele não se inicia num pote de ouro.
Escrevi quando tive medo de perder minha filha. Quem eu seria sem a existência dela? Sem a permanência dela. Não estou mãe, e sim sou mãe. Como conciliar a eternidade do verbo ser-mãe com a efemeridade de nossas vidas? Não dá para des-parir uma filha. Não existe ex-mãe. Não existe palavra para descrever a viuvez de um filho. Eu voltaria a ser eu, sem ela? Conseguiria ser uma pessoa inteira? Conseguiria ser uma parte de mim, incompleta? Eu me recordaria de quem eu era antes de perdê-la? Ou todo meu HD seria ocupado pelas lembranças lancinantes dela? A pessoa que eu era, que eu sou, deixaria de existir junto dela? Seria possível viver sem ela? Que espécie de vida, ou sobre-vida, seria essa? Já era difícil conciliar o ato de viver com o medo de perdê-la, que dirá com a certeza de sua partida. Nesse contexto, escrever era uma das poucas coisas compatíveis com esse pavor que me assaltava. Escrever é possível mesmo quando viver parece não ser.
Escrever é uma forma de continuar respirando, uma vez depois da outra. Um passo depois do outro. Mesmo quando não saio do lugar. Mesmo quando caminho em círculos, já que a cura não é linear.
Escrevo quando preciso largar os problemas no chão e me conformar com a necessidade de perdoar. Para lembrar que a principal atribuição da mãe é o perdão. É o perdão que me torna mãe. O perdão faz com que eu permaneça sendo mãe. O perdão é o pão nosso de cada dia. Inclusive o perdão a mim mesma.
Escrevo para buscar esse perdão dentro de mim. Com a mesma urgência com que meu coração bate. E o coração dela também. Escrevo para tentar construir esse perdão, palavra por palavra, letra por letra. Porque se eu conseguir perdoar a mim mesma, posso ser capaz de tudo. Até de ser mãe, com a eternidade implícita na conjugação de ser-mãe.